História do Santo Daime
O Santo Daime
O movimento religioso do Santo Daime começou no interior da Floresta Amazônica, nas primeiras décadas do século XX, com o neto de escravos Raimundo Irineu Serra, natural do Maranhão. Ao Mestre Irineu, como passou a ser chamado, foi revelada uma doutrina de cunho cristão e eclético, reunindo tradições católicas, espíritas, esotéricas, caboclas e indígenas em torno do uso ritual do milenar chá conhecido pelos povos incas como ayahuasca (vinho das almas) e por ele denominado Santo Daime. De uso bastante difundido entre povos indígenas da Amazônia Ocidental, a bebida é obtida pelo cozimento de duas plantas nativas da floresta tropical, o cipó Jagube (Banisteriopsis caapi) e a folha rainha (Psicotria viridis), com propriedades enteogênicas, isto é, produz uma expansão de consciência responsável pela experiência de contato com o plano espiritual, por meio do encontro interior com o nosso Eu Verdadeiro.
O Mestre Irineu dizia ter recebido os seus ensinos diretamente de Nossa Senhora Da Conceição, que lhe apareceu numa das primeiras vezes que tomou a bebida na região de Brasiléia, Acre. Ele também trabalhou na comissão encarregada de demarcar as fronteiras do novo estado do Acre, onde teve a oportunidade de conhecer também tanto indígenas quanto vegetalistas e ayahuasqueiros da fronteira com o Peru.
A partir dos anos 1930, com um pequeno grupo, abriu de forma regular seus trabalhos nas cercanias de Rio Branco. A partir de então, todos os ensinamentos da doutrina foram recebidos por ele em forma de hinos, formando seu hinário O Cruzeiro. A doutrina traz uma nova ênfase nos ensinos cristãos e uma nova leitura dos Evangelhos à luz do sacramento enteogênico, para afirmar, nos tempos de hoje, os mesmos princípios de Amor, Caridade e Fraternidade.
Participante ativamente dos trabalhos espirituais do Santo Daime, o seringueiro e construtor de canoas Sebastião Mota de Melo, natural de Eurinepé, Amazonas, foi um homem simples de sólida convicção espírita e trabalhador incansável. Discípulo do Mestre Irineu, se tornou um dos seus feitores da bebida sagrada. Reuniu em torno de si centenas de adeptos, dando continuidade ao trabalho espiritual recebido pelo Mestre. Assim, em meados dos anos 70 construiu um templo na localidade denominada Colonia Cinco Mil, nos arredores de Rio Branco. No final dos anos 70 retirou-se desta área e fundou o assentamento que se transformaria na atual Vila Céu do Mapiá, no município de Pauini, Amazonas. A iniciativa cresceu sob sua liderança espiritual e seu exemplo de trabalho. Dirigia pessoalmente mutirões, acolhia pobres, doentes e necessitados.
Desde 1974, ainda em Rio Branco, mandou registrar sua entidade, o Centro Eclético de Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra (Cefluris), com sede na cidade do Rio Branco, como um centro espírita estruturado sob a forma de sociedade religiosa sem fins lucrativos, responsável pela organização da Doutrina e pela feitura e distribuição da bebida sacramental utilizada nos rituais. A partir de 1998, houve uma reforma institucional, com a criação da figura jurídica da Igreja do Culto Eclético da Fluente Luz Universal (Iceflu), cujo patrono é Sebastião Mota de Melo, e do Instituto Cefluris, responsável por administrar o trabalho social e ambiental.
O Padrinho Sebastião, como era carinhosamente chamado por seus afilhados, faleceu em 20 de janeiro de 1990, no Rio de Janeiro, vítima de uma insuficiência cardíaca que o fez sofrer nos últimos anos. Além da viúva, senhora Rita Gregório de Melo, deixou aos filhos Alfredo e Waldete, respectivamente, a responsabilidade pela continuação de sua missão espiritual e de seu trabalho social e comunitário. Em 1987, foi criada uma associação de moradores, cuja diretoria é eleita periodicamente por seus sócios. Atualmente, a população da comunidade compreende cerca de mil pessoas, entre a vila e pequenas colocações ao longo do Igarapé Mapiá.
Com o crescimento espontâneo registrado nas últimas três décadas e os desafios sociais e institucionais decorrentes, a Doutrina se espalhou por diversas regiões do Brasil e do mundo. O uso do Santo Daime como sacramento enteogênico em um trabalho espiritual de autoconhecimento obedece a regras rituais recebidas espiritualmente pelo Mestre Irineu e pelo Padrinho Sebastião. Não há uso indiscriminado, pois, como um sacramento, a bebida é somente distribuída em datas que obedecem ao calendário religioso anual e dentro das regras preestabelecidas.
Os hinários são rituais festivos com cânticos de Louvor a Deus, à vida e às forças da natureza, em que a bebida sacramental é consagrada e comungada dentro de um templo ou locais autorizados, sob regras estritas de comportamento e organização, além da infraestrutura de atendimento.